A fim de colocar um ponto final nos comentários infames feitos à boca-pequena pelos corredores celestiais, saídos de um grupinho de anjos extremistas que habita o paraíso, os quais davam conta de que DEUS havia mesmo batido as botas, como dissera Nietzsche, dado o tempo passado desde a SUA última aparição por aquelas bandas até os dias de hoje, o HOMEM resolveu conceder uma entrevista coletiva aos anjos-jornalistas. Enumerou então alguns assuntos sobre os quais tratar na ocasião, porque ninguém dá uma entrevista coletiva apenas para dizer que está vivo, nem mesmo DEUS, e pediu que os seus assessores cuidassem de chamar toda a imprensa dos céus. E assim se fez.
Acontece, entretanto, que embora eu seja um aspirante a escritor, eu sou um rapaz muito pouco experiente, e há coisas demais que esses olhos azuis capazes de fazer tremer as pernas de qualquer moça – ou moço – ainda não viram, o que faz de mim um guri assaz impressionável.Tanto sou que venho, através destas tortas, e correndo o risco de tornar-me enfadonho (ah, essa minha falta de experiência!), pois provavelmente muitos de vocês já foram a uma entrevista com DEUS, transcrever-lhes tudo o que anotei nos meus papéis durante a coletiva. Sim, eu estive lá. Sim, eu me impressionei. Peço, pois, perdão a todos os leitores que provavelmente me abandonarão a partir de agora.
Aos que ficaram, aqueles que, pelo visto, também têm pouca estrada e nunca tiveram a oportunidade de ver DEUS falando a anjos-jornalistas no paraíso, eu devo dizer que uma coletiva dessas não começa na hora em que o HOMEM toca o microfone e profere a primeira palavra, ou então quando o primeiro anjo-jornalista faz a sua primeira pergunta, segurando com a mão trêmula o seu caderninho, pois, afinal, quem está ali à sua frente é o TODO PODEROSO, não, queridos leitores. Eu devo dizer que uma entrevista coletiva dessas começa cedo, com o trabalho da classe mais baixa e explorada de anjos.
São os anjos proletários, a mão-de-obra barata, que fazem o trabalho mais pesado: deixar tudo em ordem para a chegada de DEUS. E não é nada fácil. É preciso que esteja tudo como nunca esteve antes; limpo, cheiroso, reluzente. O chão deve estar tão limpo que DEUS deve conseguir espelhar-se nele, caso haja algum problema com o seu penteado. O banco onde o HOMEM sentará deve estar com as estufas em bom estado, quiçá virgens, que é para que o SEU delicado traseiro não doa, os microfones, esses devem ter suas pilhas trocadas, imaginem só vocês, calar a voz de DEUS?! Também é bom que não se pense nessas coisas ruins, porque, como se sabe, hoje em dia o pensamento positivo é tudo. É preciso então que se pense positivo. Que se lustre os móveis, que se acenda as luzes, que se teste tudo umas três vezes, no mínimo. É preciso que se faça tudo isso porque DEUS está a caminho.
Ah, é preciso também que se obedeça aos santos, porque são eles que organizam a coletiva e são também eles que estão logo abaixo de DEUS na Hierarquia Divina. Geralmente, em coletivas assim, mobilizam-se uns quatro santos, que é pra que nada saia fora dos planos. Um santo alto e barbudo era quem dava as cartas nessa coletiva de DEUS, pelo que me lembro. Havia também um outro, na verdade uma, uma santa, baixinha e de óculos. Ele, cuidava de tudo o que deveria ser dito, como seriam os procedimentos, as apresentações, onde DEUS deveria sentar e essas coisas todas. Já ela, por sua vez, cuidava da parte, digamos, mais interessante da coletiva. Os salgados. Os salgados são imprescindíveis em qualquer entrevista coletiva concedida por DEUS. Nessa havia muitos. Havia champanhe também. É preciso, portanto, que se providencie salgados e champanhe para agradar a DEUS. "Subam com os salgados, rápido, que DEUS já está quase chegando", dizia a santa. "Os fios, passem os fios pra lá, não, não, pra cá! Ah, e o monitor, liguem o monitor!", bradava o santo barbudo. E assim trabalham os anjos proletários, obedecendo, os anjos que só são anjos porque não operam milagres. Os santos operam milagres, e então por isso eles têm muitos poderes e dão ordens.
Mas eu falava, e não quero me perder no assunto, das coisas que se deve fazer quando DEUS está pra chegar na entrevista. É preciso que se fale baixo, porque se ELE chega de repente deve adentrar num local onde a paz está à toda, e onde há silêncio e concentração em demasia. Deve-se andar devagar, falar devagar e baixo. Deve-se diminuir os gestos e censurar os olhares. Os anjos cujos trejeitos são hiperbólicos devem conter-se – há muitos anjos assim no céu, porque DEUS não gosta dessas coisas. E deve-se, sobretudo, sorrir. Deve-se sorrir para DEUS, para os assessores e puxa-sacos de DEUS, deve-se cumprimentá-los todos, sempre com um olhar comedido e amável. Nada de grandes intimidades ou cochichos.
Deve-se fazer tudo isso, e deve-se também receber bem os anjos-jornalistas, uma vez que eles têm o poder da palavra. No entanto isso tudo vem antes da chegada de DEUS. Porque quando ELE sobe as escadas não se deve mais falar nada. Os santos cessam enfim as ordens. E daí DEUS entra, e o anjo-faxineira esconde com o pé um pedacinho de fita crepe que ficou no chão, um outro anjo aumenta o volume do som, e um outro abaixa, e ainda um outro testa pela última vez o microfone no qual o HOMEM vai falar, tudo mui discretamente, com cuidado, como estivessem lapidando, dando os últimos retoques numa obra de arte. E então DEUS chega.
Há muitos anjos, arcanjos, alguns santos, todos ansiosos. ELE entra pela porta principal, a porta onde se dará a coletiva, e senta. A coletiva começa. Perguntas, palavras, risos, perguntas. Risos, palavras, perguntas, perguntas. DEUS está vivo. Nietzsche, DEUS está vivo. Todos acreditam. DEUS está vivo e é mentiroso. Todos acreditam. DEUS fala. DEUS ri. DEUS bebe e come. DEUS vai embora. E, como fosse ELE o próprio, todo fingimento vai junto.
sexta-feira, 21 de setembro de 2007
quinta-feira, 13 de setembro de 2007
Abaixo um texto da Stéphanie Pizzolatti, aluna do 2º semestre, sobre um tema proposto em aula. Ela fez uma espécie de sátira, incorporando um adepto do internetês, que eu achei interessante, para que se possa ver o absurdo que o uso desta maneira de escrever está trazendo para o Português. Ressalto que a Stéphanie também produziu um texto crítico sobre as razões pelas quais se escreve mal, mas eu considerei mais relevante mostrar a sátira.
Ronaldo
PQ SE ESCREVE MAL?
"Venho aki im protesto as pessoas q culpam a internet, a falta d leitura e o modo popular d falar dos erros gramaticais q as veses acontece. Como se ja nao bastac a gente fik anos estuando as inumeras e inuteis regras do portugues na escola,ainda por cima qdo ela e simplificada na internet pra facilitar nossa vida, algumas pessoas criticam. Afinal q diferenca faz escreve o pq junto ou separado, com ou sem o xapeuzinho e aquela xatic d combinacoes verbal e nominal,"s" ou "ss","x" "ch","m" ou "n" se o som e tudo o mesmo,praq escreve de se o d sozinho ja faz o mesmo efeito,o mesmo acontec com o q e muitas outras letras.e muito mais fasil a abrevia das palavra. Algumas regras ate lembro outras nem sei praq existe.
A leitura ate axo legau,mas ficar lendo sempre nao garante que vamos escrever bem,uma coisa nao tem nada ave com a outra. E tem aqueles livros xatos xeio de palavras q nao conhecemos e ficamos sem intender as coisa direito,e ainda xamam isso de incentivo ao uso do dicionario. Aah tenha santa paciencia,isso cerve so pra perde tempo! E essa ladainha d q devemos falar o portugues corretamente igual como se escreve,com as regas d concordancia, plural, presente, passado, futuro e bla bla bla.se ja e xato as veses escrever dentro das normas linguisticas imagina te fik ligado toda vez q for fala, o cara leva duas hora so pra elabora uma fraze.Essa coisa de formalidades e coisa do passado. Bom,falei oq eu axo e sei q fuji um pouco das regras da gramatica e tem alguns errinhos,e pq ja esqueci algumas coisinha.e mesmo asim qem le isso vai intende.. Porisso axo q o q realmente vale nisso tudo e q conssegui passa minha mensagem e ouvi entendimento."
Ronaldo
PQ SE ESCREVE MAL?
"Venho aki im protesto as pessoas q culpam a internet, a falta d leitura e o modo popular d falar dos erros gramaticais q as veses acontece. Como se ja nao bastac a gente fik anos estuando as inumeras e inuteis regras do portugues na escola,ainda por cima qdo ela e simplificada na internet pra facilitar nossa vida, algumas pessoas criticam. Afinal q diferenca faz escreve o pq junto ou separado, com ou sem o xapeuzinho e aquela xatic d combinacoes verbal e nominal,"s" ou "ss","x" "ch","m" ou "n" se o som e tudo o mesmo,praq escreve de se o d sozinho ja faz o mesmo efeito,o mesmo acontec com o q e muitas outras letras.e muito mais fasil a abrevia das palavra. Algumas regras ate lembro outras nem sei praq existe.
A leitura ate axo legau,mas ficar lendo sempre nao garante que vamos escrever bem,uma coisa nao tem nada ave com a outra. E tem aqueles livros xatos xeio de palavras q nao conhecemos e ficamos sem intender as coisa direito,e ainda xamam isso de incentivo ao uso do dicionario. Aah tenha santa paciencia,isso cerve so pra perde tempo! E essa ladainha d q devemos falar o portugues corretamente igual como se escreve,com as regas d concordancia, plural, presente, passado, futuro e bla bla bla.se ja e xato as veses escrever dentro das normas linguisticas imagina te fik ligado toda vez q for fala, o cara leva duas hora so pra elabora uma fraze.Essa coisa de formalidades e coisa do passado. Bom,falei oq eu axo e sei q fuji um pouco das regras da gramatica e tem alguns errinhos,e pq ja esqueci algumas coisinha.e mesmo asim qem le isso vai intende.. Porisso axo q o q realmente vale nisso tudo e q conssegui passa minha mensagem e ouvi entendimento."
Quarta-feira, vinte e nove de agosto. Há uma semana eu carrego, no meu já cansado corpo, a dor, o desgaste e a sensação de ter levado uma surra. Quando acordei essa manhã podia crer que passei a noite enfiada num camburão da PM levando cacetadas. Era o que parecia, mesmo sem nunca ter passado por tão agradável experiência. A questão é que o maldito resfriado não desgruda e tudo em mim dói. Pensei que seria impossível piorar, até que a minha falta de anticorpos me surpreendeu mais uma vez.
Rastejei até o trabalho. Jornal de Bairro nunca pareceu tão distante. Foi então que me sobreveio um pensamento. Estou até agora querendo saber por que, bem no dia de hoje, arranjei tamanha sarna sem que tivesse ao menos forças para coçá-la. “Preciso escrever alguma coisa!” Maldita idéia a minha! Meus planos para a quarta-feira eram: não voltar para casa no intervalo do almoço e estudar, também me esforçar para resolver metade das trezentas coisas que estavam (e ainda estão) pendentes.
Seria um típico dia daqueles em que você se levanta, admira a própria cara e o cabelo levantado no espelho, e se pergunta: por que eu tenho que levantar daquela droga de cama? Não que a cama seja uma droga, ela até que sabe ser bem especial, principalmente nos dias de inverno, mas no momento da ira, tudo o que nos rodeia acaba levando adjetivos que nos fariam cair no conceito de qualquer avó. Piores que o citado na frase anterior, na maioria das vezes.
Radiojornalismo que me perdoe, pois estudei com a cabeça voltada para o teclado e suas atraentes letras. A vontade de escrever era insuportável. Precisava pensar com as mãos, dar a luz, vomitar qualquer frase, palavra, que seja. É como um sentimento de saudade do que ainda não foi vivido. Ou gozar do prazer de já ter lido o que ainda não invadiu tela alguma. Tanto a dizer, pensar, escrever.
Isso ficaria para mais tarde, se me sobrasse tempo. Mercadoria rara, cara. Poderia adiar minha auto-obrigação para o domingo, já que é um dia inútil, sempre com a mesma cara de segunda misturada com terça-feira, não sei o que é pior. Não, domingo não! Correria o risco de macular um texto que prometia tanto com a cor enjoada do domingo. Quem sabe no sábado, ou por que não na sexta-feira? Ah a sexta-feira...
Deixa pra lá! Falta saber sobre quê escrever. Perto das cinco horas da tarde, sem almoçar, já sentindo a noite se aproximar e com ela suas trevas, adicionadas às minhas limitações momentâneas, não havia como me dar ao luxo de escolher um ‘sobre’.
Definitivamente nocauteada, forças esgotadas, uma criatura feminina fragilizada ao ponto de envergonhar Rita Lee, forçando-a a abandonar aquela canção – como é mesmo o trecho? – “sou mais macho que muito homem”, esse mesmo. Para completar o quadro, minhas alergias se uniram à gripe, à infecção de garganta, às dores de cabeça. Um banho quente ajuda, sempre ajuda. Enquanto a água fervente caia sobre mim e embaçava todo o banheiro eu pensava. Nem que fosse para contar a trajetória de uma gota d’água escorrendo no azulejo eu precisava escrever. Era a minha obsessão daquela quarta-feira. Todos os dias tenho uma. É parte da rotina. Agora faz muito frio. Quando me movimento debaixo do chuveiro, partes do meu corpo se afastam da água então vejo os pêlos arrepiarem. Desliguei. Puxei rapidamente a toalha como num golpe, trazendo junto com ela aquele ventinho gelado. Em voz alta digo: mais tarde escrevo sobre alguma coisa, qualquer coisa.
Rastejei até o trabalho. Jornal de Bairro nunca pareceu tão distante. Foi então que me sobreveio um pensamento. Estou até agora querendo saber por que, bem no dia de hoje, arranjei tamanha sarna sem que tivesse ao menos forças para coçá-la. “Preciso escrever alguma coisa!” Maldita idéia a minha! Meus planos para a quarta-feira eram: não voltar para casa no intervalo do almoço e estudar, também me esforçar para resolver metade das trezentas coisas que estavam (e ainda estão) pendentes.
Seria um típico dia daqueles em que você se levanta, admira a própria cara e o cabelo levantado no espelho, e se pergunta: por que eu tenho que levantar daquela droga de cama? Não que a cama seja uma droga, ela até que sabe ser bem especial, principalmente nos dias de inverno, mas no momento da ira, tudo o que nos rodeia acaba levando adjetivos que nos fariam cair no conceito de qualquer avó. Piores que o citado na frase anterior, na maioria das vezes.
Radiojornalismo que me perdoe, pois estudei com a cabeça voltada para o teclado e suas atraentes letras. A vontade de escrever era insuportável. Precisava pensar com as mãos, dar a luz, vomitar qualquer frase, palavra, que seja. É como um sentimento de saudade do que ainda não foi vivido. Ou gozar do prazer de já ter lido o que ainda não invadiu tela alguma. Tanto a dizer, pensar, escrever.
Isso ficaria para mais tarde, se me sobrasse tempo. Mercadoria rara, cara. Poderia adiar minha auto-obrigação para o domingo, já que é um dia inútil, sempre com a mesma cara de segunda misturada com terça-feira, não sei o que é pior. Não, domingo não! Correria o risco de macular um texto que prometia tanto com a cor enjoada do domingo. Quem sabe no sábado, ou por que não na sexta-feira? Ah a sexta-feira...
Deixa pra lá! Falta saber sobre quê escrever. Perto das cinco horas da tarde, sem almoçar, já sentindo a noite se aproximar e com ela suas trevas, adicionadas às minhas limitações momentâneas, não havia como me dar ao luxo de escolher um ‘sobre’.
Definitivamente nocauteada, forças esgotadas, uma criatura feminina fragilizada ao ponto de envergonhar Rita Lee, forçando-a a abandonar aquela canção – como é mesmo o trecho? – “sou mais macho que muito homem”, esse mesmo. Para completar o quadro, minhas alergias se uniram à gripe, à infecção de garganta, às dores de cabeça. Um banho quente ajuda, sempre ajuda. Enquanto a água fervente caia sobre mim e embaçava todo o banheiro eu pensava. Nem que fosse para contar a trajetória de uma gota d’água escorrendo no azulejo eu precisava escrever. Era a minha obsessão daquela quarta-feira. Todos os dias tenho uma. É parte da rotina. Agora faz muito frio. Quando me movimento debaixo do chuveiro, partes do meu corpo se afastam da água então vejo os pêlos arrepiarem. Desliguei. Puxei rapidamente a toalha como num golpe, trazendo junto com ela aquele ventinho gelado. Em voz alta digo: mais tarde escrevo sobre alguma coisa, qualquer coisa.
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